Chego ao ponto pra tomar um ônibus, o
despachante que já me conhece pelas sucessivas vezes em que me viu ali, me
avista da esquina e sabe muito bem que é o meu ônibus, mas me ignora, e bate na
traseira do ônibus, o que é a deixa pra ele partir. Depois finge que só agora me viu e diz pra eu
correr pra pegá-lo na outra curva, mas não tenho joelhos pra isso, com os
saltos. É a segunda ou terceira vez que esse despachante me manda correr atrás
do ônibus e o despacha fingindo não ter me visto na esquina. Talvez se divirta
com mulheres correndo de salto alto atrás de um ônibus.
Fico no ponto.
O idiota do despachante começa a falar ao
celular, ri alto, enquanto uns três ônibus estacionam ao mesmo tempo e
passageiros se aglomeram no ponto, com olhares angustiados no relógio, mas ele
não vê porque está de costas pra rua. Parece que faz de propósito, embora seu
trabalho dependa de ele estar atento à rua, ele não o faz...é impressionante
isso! Os motoristas descem, vão até a barraquinha de café, riem alto, se
confraternizam, contam piadas, batem uns nos outros em esfuziantes
demonstrações de carinho mútuo, leem jornais de Cr$0,50, falam do jogo, disso e
daquilo, pagam cafés uns pros outros, enquanto os passageiros continuam
contando os minutos.
Resolvo explodir, indago a um motorista quando o
ônibus sairá, ele diz que depende do despachante, vou ao despachante, ele diz
quase aos berros, que me “andou correr atrás de um”, que eu perdi “por culpa
minha”. Oooops, é um baixinho arrogante, tão baixinho que com os meus 1,62 eu
pareço um mulherão na frente dele, ele estufa o peito e soletra: ”Vai sair na
h-o-r-a que tiver que sair”, tenho vontade de socá-lo “ah, seu eu fosse homem”,
penso, pra lá de puta da vida. Preparo o
punho, mas resolvo gritar no mesmo tom que ele, o chamo de “arrogante”, tremo
toda, meu sangue ferve fácil, veia portuguesa, digo que ele é incompetente, que
se diverte vendo passageiros “ferrados”, que não faz seu trabalho direito,
que vou denunciá-lo à empresa, ele grita
“pode fazer isso”, sacode o crachá pra eu descobrir seu nome, que eu nem olho
na fúria em que me encontro. Grita pro motorista: “leva essa cidadã daqui, leva
logo, carrega ela”. E despacha, só assim, finalmente, um dos ônibus. O medo
dele é evidente agora, mas continua gritando pra afastar o medo: “leva ela,
leva ela”, como se estivesse prestes a me bater e, gritando assim, evitasse
isso. Foda- se ele. Nem presto atenção,
viro as costas e entro no ônibus onde grito alto, por pura catarse nervosa:
“escroto, escroto, escroto”, sem pudor algum. Minha feminilidade contrasta com
minhas palavras nessa hora e alguns passageiros me olham com espanto , mas um
deles se solidariza , diz que ele é um idiota mesmo, pra eu denunciá-lo, diz
que quase já bateu nele também, que ele só vive de putaria e arrogância etc
etc.
Seguimos e o motorista ao final do percurso,
solidário com a imbecilidade de seu colega, quando eu peço que pare na escola,
me pergunta irônico: “aqui mesmo ou quer que eu deixe na porta? ” Eu
respondo,mais irônica ainda, com o meu melhor sorriso, olhando-o bem nos olhos:
“onde ficar melhor e mais confortável pro SENHOR”.
Por rancor injusto a mim, ele me deixa bem
distante da escola. Agradeço com um sorriso doce e claramente cínico, sou
perita nessas artes, e saio calma, nem penso mais em atraso, penso em como o
ódio a esta cidade e a todos os imbecis que vivem dentro dela é a única coisa
que me faz sobreviver a ela.
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