quarta-feira, 4 de setembro de 2013

DESPACHANTES

Chego ao ponto pra tomar um ônibus, o despachante que já me conhece pelas sucessivas vezes em que me viu ali, me avista da esquina e sabe muito bem que é o meu ônibus, mas me ignora, e bate na traseira do ônibus, o que é a deixa pra ele partir.  Depois finge que só agora me viu e diz pra eu correr pra pegá-lo na outra curva, mas não tenho joelhos pra isso, com os saltos. É a segunda ou terceira vez que esse despachante me manda correr atrás do ônibus e o despacha fingindo não ter me visto na esquina. Talvez se divirta com mulheres correndo de salto alto atrás de um ônibus.
Fico no ponto.
O idiota do despachante começa a falar ao celular, ri alto, enquanto uns três ônibus estacionam ao mesmo tempo e passageiros se aglomeram no ponto, com olhares angustiados no relógio, mas ele não vê porque está de costas pra rua. Parece que faz de propósito, embora seu trabalho dependa de ele estar atento à rua, ele não o faz...é impressionante isso! Os motoristas descem, vão até a barraquinha de café, riem alto, se confraternizam, contam piadas, batem uns nos outros em esfuziantes demonstrações de carinho mútuo, leem jornais de Cr$0,50, falam do jogo, disso e daquilo, pagam cafés uns pros outros, enquanto os passageiros continuam contando os minutos.
Resolvo explodir, indago a um motorista quando o ônibus sairá, ele diz que depende do despachante, vou ao despachante, ele diz quase aos berros, que me “andou correr atrás de um”, que eu perdi “por culpa minha”. Oooops, é um baixinho arrogante, tão baixinho que com os meus 1,62 eu pareço um mulherão na frente dele, ele estufa o peito e soletra: ”Vai sair na h-o-r-a que tiver que sair”, tenho vontade de socá-lo “ah, seu eu fosse homem”, penso, pra lá de puta da vida.  Preparo o punho, mas resolvo gritar no mesmo tom que ele, o chamo de “arrogante”, tremo toda, meu sangue ferve fácil, veia portuguesa, digo que ele é incompetente, que se diverte vendo passageiros “ferrados”, que não faz seu trabalho direito, que  vou denunciá-lo à empresa, ele grita “pode fazer isso”, sacode o crachá pra eu descobrir seu nome, que eu nem olho na fúria em que me encontro. Grita pro motorista: “leva essa cidadã daqui, leva logo, carrega ela”. E despacha, só assim, finalmente, um dos ônibus. O medo dele é evidente agora, mas continua gritando pra afastar o medo: “leva ela, leva ela”, como se estivesse prestes a me bater e, gritando assim, evitasse isso. Foda- se ele.  Nem presto atenção, viro as costas e entro no ônibus onde grito alto, por pura catarse nervosa: “escroto, escroto, escroto”, sem pudor algum. Minha feminilidade contrasta com minhas palavras nessa hora e alguns passageiros me olham com espanto , mas um deles se solidariza , diz que ele é um idiota mesmo, pra eu denunciá-lo, diz que quase já bateu nele também, que ele só vive de putaria e arrogância etc etc.
Seguimos e o motorista ao final do percurso, solidário com a imbecilidade de seu colega, quando eu peço que pare na escola, me pergunta irônico: “aqui mesmo ou quer que eu deixe na porta? ” Eu respondo,mais irônica ainda, com o meu melhor sorriso, olhando-o bem nos olhos: “onde ficar melhor e mais confortável pro SENHOR”.

Por rancor injusto a mim, ele me deixa bem distante da escola. Agradeço com um sorriso doce e claramente cínico, sou perita nessas artes, e saio calma, nem penso mais em atraso, penso em como o ódio a esta cidade e a todos os imbecis que vivem dentro dela é a única coisa que me faz sobreviver a ela.

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