terça-feira, 25 de novembro de 2014

PRESUNTO FININHO

Da série: SABOR E HUMOR


Nunca conheci quem gostasse de fatias grossas de presunto. Mas os padeiros não parecem pensar assim...

Na padaria, peço presunto, mas o atendente me entrega fatias que mais parecem uns escalopinhos.

- Será que a fatia não podia ser mais fina? – eu falo bem educada.

-Está fina, senhora.

- Não, não está.

- Está, essa é uma fatia fina.

Que cinismo!!!

Fico parada olhando pra ele com o presunto nas mãos, levemente ameaçadora. Ele repete:

- É UMA FATIA FINA, senhora.

Eu o olho, vejo que ele não vai ceder. Muito menos eu, que não vou pagar por uma coisa que não quero.

- Ah, deixa pra lá. Não vou levar, obrigada. Não é fina pra mim.

É a terceira vez que eu dou chance pra essa padaria. Só porque ela é a mais próxima da minha casa. Da última vez, o padeiro queria me dar um pão frio. Eu não aceitei. Fiquei esperando o quente. Quando o pão quente chegou, ele discretamente misturou com os que estavam frios fingindo separá-los. Fui embora. Não volto mais lá. Resolvo andar mais umas cinco ruas pra ir à próxima padaria, onde o atendente se gaba de cortar fino o presunto. Sei disso, porque uma vez fui lá, pedi presunto cortado fino e ele se gabou em ALTO E BOM SOM:

-AQUI NÃO PRECISA PEDIR, FREGUESA, SÓ TEM PRESUNTO CORTADO FININHO!

Fico na fila (uma fila na horizontal que não é propriamente uma fila, diga-se de passagem) ao lado de duas mulheres: uma mais velha , outra mais nova.Ele está atendendo a mais nova , que pede presunto, sem especificar nada e vem as indefectíveis fatias fininhas.

Penso : “beleza, estou no lugar certo”. O outro atendente me olha e pergunta o meu pedido. Digo e ouço a mulher nova, que acabou de ser atendida, dizer, quando o cortador de fatias finas pergunta se ela quer mais alguma coisa:

- Mais nada, obrigada. Agora é a vez desta senhora aqui que estava na fila. (ela se refere à mulher mais velha)

Por que ela frisou isto? O que ela pensou? Eu por acaso, tenho cara de furadora de filas?

Senti-me indignada, eu só estava respondendo a uma pergunta. Olhei pra ela com o meu olhar mais horroroso. Brasileiro gosta tanto de fila, que defende a vez dos outros. E ela saiu, toda orgulhosa de si, se achando a defensora dos velhinhos desprotegidos que se postam na fila, quando chegou um homem todo homem, que disse com voz de homem:

- Meu amigo, faz aí pra mim um sanduiche de mortadela com queijo pra viagem!

Não tomou conhecimento de nenhuma fila, mas o seu ar era tão autoritário, tão cheio de si, que um dos atendentes saiu correndo pronto a atendê-lo esquecendo-se de mim e da velhinha.

O cortador de presunto fino disse baixinho pro amigo estressado:

- Agora não pode, ele vai ter que esperar. Tem gente na fila.

O homem todo homem me olhou com raiva e saiu pra procurar sucos. Ele pode. Ele é homem.

O cortador de presunto fino trouxe o meu, finalmente. Fatias perfeitas para um bife, tais quais as da outra padaria. Penso: “Não andei mais de dois quilômetros pra levar essa droga de presunto”. Quando peço pra ele cortar de novo, ele se ofende.

- A senhora não disse nada.

-Pensei que fosse uma regra da casa o presunto fino. Sempre ouvi por aqui...

- Não. Aqui é do gosto do freguês.

Onde estava o cara que se gabava de só cortar presunto fino? Pois é , a cantinela muda conforme a preguiça se apresenta. A regra é: “Faça mal feito, se ninguém pedir bem –feito”

- Acho que ninguém gosta de presunto cortado assim - eu disse tentando ganhar a discussão.

(Eu sei, sou muito competitiva.)

- Gosta sim, senhora.

Bom,eu vou precisar voltar nesta padaria. Tenho que me lembrar que lá tem presunto fininho, se eu pedir bem pedidinho e/ou defender velhinhos na fila(horizontal), que não pediram pra ser defendidos. Além de tudo, tenho uma regra de ouro: nunca discuto com quem me serve comida.
Mesmo assim, arrisco uma pra ganhar a “discussão”:

- Tem gente que não gosta de chocolate e tem gente que prefere bife bem passado....

Ele me olha, sem entender. Resumo o meu raciocínio:

- Ah, que fazer, né, moço? Tem gosto pra tudo...

Sorrio, peço desculpas pelo contratempo e vou embora. Aqui nessa provincinha é assim: mesmo com razão você vive pedindo desculpas e tem que se estressar por um presunto...




quinta-feira, 20 de novembro de 2014

DA SÉRIE FORA DA GAVETA: "As aventuras de Paulina"

Eu gosto de escrever pra crianças, mas nunca tentei publicar nada, porque minha filha e outros críticos cri-cris falam que a minha linguagem não é infantil. Bom, julgue quem puder ou souber, eu continuo escrevendo o que gosto... Esse é um TRECHO do meu mais recente texto "infantil"...

"- Paulina, sai dessa janela e para de fazer festa de comunista!
Pois é, essa é a minha mãe, ela sempre tá me chamando de comunista, uma coisa que nunca entendi direito. Perguntei pro meu pai que parece saber tudo, ou parecia pelo menos até eu perguntar isso pra ele, daí ele desconversou, fez um ar de vassoura virada do avesso, com os olhos pra cima como ele faz quando não quer responder uma pergunta e daí voltou ao livro que estava lendo, nem deu mais por mim. O meu pai é assim, se ele revira os olhos e vira pro lado pra fazer alguma coisa diferente eu já sei que ele não vai me responder mesmo. Pra minha mãe não adianta nem perguntar, porque ela não deve nem saber o que é comunista , porque ela tá sempre falando o que ela não entende.

Eu reparei nisso quando vi um filme com ela e a atriz, que ela gosta muito porque vive falando “ah, a Norma Souto é uma atriz magnífica”, então, ela viu a norma Souto dizer num filme, encostada numa parede, de peruca loura: “isso é muito complacente” e soltava uma baforada de cigarro.

Daí ela ficou uma semana encaixando essa palavra em tudo o que ela falava, veio uma vizinha pedir uns copos emprestados e quando a vizinha foi embora , a minha mãe se virou pra mim e o meu irmão e disse com ar de pessoa muito inteligente: "a Marlene é muito complacente, imagina vir aqui pedir copos emprestados. Que coisa”. Se a Judite gastava um pouco mais de sabão pra lavar a roupa, era porque “ela era muito complacente”; se o meu pai atrasava-se pro jantar, era “complacente demais”. Só faltava acender um cigarro e colocar uma peruca loura. Mas o meu pai não ia gostar, que “mulher que fuma é um problema” ele dizia sempre isso da prima Ernestina, quando ela vinha nos visitar a casa ficava muito “empestiada”, essa era outra palavra que minha mãe adorava. Empestiada podia ser tanto uma "fedentina" no recinto, quanto uma criança que era, uma peste, como eu.

Além de peste, comunista. Resolvi ir pro dicionário . Estava lá: “Comunista: doutrina ou sistema social que preconiza a comunidade de bens e a supressão da propriedade privada”. Danou-se, eu não sei o que é sistema social nem muito menos propriedade privada, eu só tenho onze anos.(...)"

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terça-feira, 11 de novembro de 2014

CARPE DIEM!



“Todos imos embarcados na mesma nau que é o vento e todos navegamos com o mesmo vento que é o tempo; e assim como na nau, uns governam o leme, outros mareiam as velas; uns vigiam, outros dormem; uns passeiam, outros estão assentados;uns cantam, outros jogam,outros comem, outros nenhuma coisa fazem e todos igualmente caminham ao mesmo porto; assim nós, ainda que não o pareça, insensivelmente, imos passando sempre, e avizinhando-se cada um a seu fim; porque tu,conclui Ambrosio, dormes e o teu tempo anda." Pe Antonio Vieira

Cansei de brigar com o tempo: Aceito que ele existe, que ele passa, que ele é breve, que ele é ilusório, que momentos são mais importantes que o decorrer dele em si, que o futuro não existe, não tecnicamente. Ele é só uma miragem. Acho que encontrei uma fórmula breve, simples e digna, talvez eficiente, de enfrentar o desafio do tempo . Tento me apaixonar por cada pequenina coisa boa que acontece, acho que não tem outro jeito...

Sei, Sou obcecada pelo tempo, como os poetas árcades e os barrocos...

…Como John Lennon:

Before you cross the street
Take my hand
Life is what happens to you
While you're busy making other plans


…Como Gregório:

que o tempo trota a toda a ligeireza
e imprime em toda flor sua pisada ...

Viver é o melhor remédio contra o veneno do tempo...

CARPE DIEM!