terça-feira, 13 de dezembro de 2016

Do lambe-lambe ao hiperego: a evolução da foto

Todo mundo quer ter seu momento lady/gentleman agora que cada pessoa pode ter seu espaço pra ser observado no instagram . Minha filha me conta de uma amiga que nem é modelo nem nada, mas mal chega na praia começa a sessão de tortura: fotos olhando o pôr do sol, fotos só do ombro  mostrando a tatuagem ,  fotos dos pés na areia etc.  As fotos são lindas (porque, no caso trata-se de uma pessoa de bom gosto), mas carregam aquela carga da artificialidade e da breguice. Não faz muito sentido posar de modelo, se você não é um e só a vaidade explica uma coisa tão esquisita assim...Como vivemos num mundo em que ser vaidoso é digno de aplauso, todo mundo acha normal. E vai chegar o dia em que vão pulular por aí modelos em potencial, talvez até acabe ou se transforme a profissão, a partir dessas pessoas dispostas a posar o tempo todo.
No tempo de nossos avós, iam eles ao lambe-lambe vestidos no maior estilo: geralmente terno e gravata os homens; as mulheres, com chapéus, sombrinhas e todos os aparatos que formavam uma dama da sociedade. A foto era o momento de contemplar a eternidade. O que sempre fazia com que aqueles rostos parecessem o juízo final que veio prestar as contas do além às gerações renegadas deste mundo, que lhes manchavam as virtudes da sobriedade. Ninguém sorria.

Boulevard du Temple, um dos primeiros registros da fotografia

Quando criança me lembro  de ter sempre me sentido humilhada com semblantes tão graves de meus bisavós, tataravós e assim sucessivamente na escala evolutiva ao contrário....

Arquivo pessoal
As fotos de meus avós na infância, já me faziam sentir um pouco diferente. Lembro-me particularmente de uma foto de família da minha avó paterna, com seus pais, irmãos, tios etc., na frente da fazenda que morava em Minas.  Ela exibia um laço na cabeça que a fazia parecer pronta para um voo, mas os olhos expressavam um temor e uma insegurança, ela parecia um peixe fora d’água, daquele tipo que parece se indagar: “O que estou fazendo nessa família?” É incrível a capacidade que a foto tem de revelar a personalidade oculta das pessoas...
De Vivien Maier
Mais simpática ainda era uma foto que ficava na parede da casa de meus avós maternos em lugar de destaque e expressava uma dinâmica familiar, que as famílias de hoje, sentiriam inveja. Era perfeita! Exibia a família hierarquicamente , todos, todos posando ao lado de suas respectivas bicicletas, em pé ao lado delas. Meu tio mais novo, sempre um gozador,  chamava esta foto de “a família motorizada”. 
Quando minha filha era pequena  e até um pouco depois,  as fotos ainda envelheciam sem efeitos especiais. As câmeras eram manuais e as fotos eram muito espontâneas. Eram viagens, coisas incomuns, momentos especiais, ou um momento de amor, mas tudo muito meio louco, meio improvisado, meio ao sabor do momento. Eu gosto dessa fase da fotografia, na verdade é a minha fase preferida porque  a tecnologia já era mais presente ,mas o efeito surpresa/naturalidade era o ponto  forte  e , de fato, minhas fotos preferidas de família vieram dessa época...

Ninguém precisa mais disso hoje em dia. Primeiro porque  qualquer um é fotógrafo de qualquer coisa em qualquer lugar em qualquer evento a qualquer momento. Posar pra uma foto não tem nada mais de sublime, ou de espontâneo é um bate, apaga, bate de novo, um troca-troca de olhares e posições, até que se atinja o olhar desejado...quando o fotografado finalmente diz a si mesmo: “agora foi, agora tô bem na foto”rsrs
 A foto espontânea, imperfeita, divertida, improvisada, feita no sabor do momento e da alegria, sem que ninguém confira na hora como saiu, é cada vez mais rara, quase como um retorno ao passado...
Foto de Vivien Maier , minha fotógrafa preferida

Mas, o pior da fotografia hoje, é sem dúvida a obrigação da foto. Ontem numa pizzaria lá estavam três jovens bonitas que não pareciam precisar chamar a atenção de ninguém, no entanto...
Elas bebiam vinho e fotografavam umas às outras em pé chamando atenção de todo o bar, seguidamente. Ficaram nisso, por uns bons vinte minutos ou mais(eu cheguei a ficar constrangida por elas, sentimento inútil , devo dizer, já que elas não se importavam ) e pra falar a verdade não sei se alguém estava achando esquisito a não ser eu. Acho que estou ficando “fora da caixinha”como diz minha filha.
Arquivo pessoal

 Elas batiam fotos que me pareciam as mesmas, mas lógico que com tantos celulares, as fotos tinham que ser repetidas, porque cada uma precisava do seu próprio registro. Não havia qualquer epifania naquelas fotos, qualquer motivação meiga ou superior, qualquer “barato”, não havia naturalidade, antes era só um ato impensado, automático mesmo do tipo: Se vou a um lugar, tenho que bater um a foto, uma não,  várias , meus amigos também baterão as mesmas fotos  sem originalidade  de seus celulares e postarão em seus facebooks imediatamente em tempo real, outros comentarão , sem que isso seja cansativo ou irritante pra qualquer um deles,o que , na minha opinião é realmente uma coisa incrível que nunca conseguirei entender,  mas...
Quem quer ver tanta foto igual, de todos, absolutamente todos os lugares a que você vai?  
É o hiper ego em ação.Sinal dos tempos narcísicos que vivemos...

Arquivo pessoal



quinta-feira, 6 de outubro de 2016

E fiquei a ver navios...

Entrei de gaiato no navio
Oh!
Entrei, entrei
Entrei pelo cano...
Melô do Marinheiro, Paralamas

Estava esses dias revendo fotos das Olimpíadas e, como ela já passou, vou contar essa história, pra não esquecer:


A melhor metáfora da Olimpíada no meu caso pessoal, foi o navio Sagres português e ao lado dele o impávido “Cisne Branco”, lindo, em toda a sua glória. E, todo mundo riu no meu trabalho quando disse que sonhei com o navio português: na verdade, sonhei com o “Cisne Branco” achando que ele fosse o navio português.

 Mas não sonhei: tive pesadelos. Explico: desde o início meu único desejo nas olimpíadas era visitar esses dois navios e ver o basquete na cadeira de rodas nas paraolimpíadas. Não consegui nenhum dos dois. Com os navios, o problema eram as filas; com a paraolimpíada, os ingressos.





























 No primeiro dia em que fui ao Boulevard, uma fila monstra, um sol de lascar . Ali naquela hora, parecia muito ruim entrar numa fila pra ver navios e abrir mão de ver todo o resto, que parecia mais tentador...Segundo dia: outra fila monstra; terceiro dia, chego às quatro e meia de um dia em que a marinha se dispôs a mostrar os navios até às cinco horas. E isso, correndo contra o tempo, vinda do trabalho esbaforida, aquela coisa toda. Imagina a minha decepção, quando ouço o guardinha fardado de azulzinho falando:

- O capitão decidiu fechar a fila às duas e meia.

 Enquanto vários turistas ficavam reclamando entre si,  eu ousei dizer pro homem fardadinho (porque tenho o maledeto hábito de falar quando os outros calam...):

- Mas, me desculpa, não era até às cinco?

- Era, mas a fila estava muito grande e o capitão decidiu finalizar mais cedo...

-Por quê?

- Porque tinha muita gente.

- Meu querido, vai ter sempre muita gente, é uma olimpíada...

Ele desconversou, gaguejou um pouco, virou pro outro lado tentando responder a uma turista pra fugir ao meu questionamento.
Aquilo não era justo. Chego ao meu trabalho no outro dia e descubro que uma amiga ficou duas horas na fila, debaixo do sol. O outro, tomou um fora como eu, em um dia em que o capitão resolveu finalizar a fila ao meio dia!!! Mas conseguiu ver num dia em que era jogo do Brasil e a fila por milagre, desapareceu...é, não ia ser fácil visitar aqueles belos navios...

Fui mais duas vezes sem êxito, muita fila e capitão fechando antes do prazo combinado.

Não desisto e volto numa quinta tentativa, no último dia.Chuva.  E eu fico toda animada quando vejo o Boulevard meio vazio e acho que vou conseguir daquela vez. Do outro lado da baia os navios me sorriem lindos, melancólicos, reis absolutos no meio da chuva do domingo triste.Mas, lá estão os guardinhas, e as porteirinhas fechadas a acabar com  a minha alegria.

 O mundo dos fardados. E, eu lembro que não é tão fácil abrir portas quando um fardado as fecha...

Eu me lembro do meu pai ferrado no regime militar, eu me lembro de tudo e não dá outra...

Lá estão duas nisseis, com cara de bobas e o guardinha de azul balançando a cabeça pra elas que o miram decepcionadas, de longe eu vejo a cena e já adivinho tudo. “Nunca vou pisar no Cisne Branco, com que sonhei”, eu penso com um horror quase infantil. Vou ter que matar esses guardinhas antes...

Chego mais perto e o olhar duro do fardadinho empertigado, treinado, de ordem absoluta , de obediência cega, me atravessa como uma pedra bruta (sinto até um arrepio). Pergunto (já sabendo a resposta):
- Onde está a fila pra ver o navio português?

- O capitão resolveu não abrir hoje.

Ah, o capitão! Ele resolve tudo...e decide tudo. Que poder o desse capitão que ninguém vê e ninguém sabe quem é!!!! Uma perfeita figura kafkiana! Lembro-me do “Castelo “de Kafka, livro que me angustiou  a ponto de não conseguir terminá-lo. E sinto que ainda vou ter pesadelos com esses navios...

- Como assim? Não era o ultimo dia de visitação hoje?
- Era. Mas, ele resolveu não abrir...

- E por quê?

Gaguejos, pigarros, a ânsia da hipocrisia habitual.

- Ontem teve muita gente e...

- Mas não era até hoje?

- Era, mas...

Novos gaguejos .

- E o navio brasileiro, o Cisne Branco, eu não posso visitar?

- O brasileiro vai ficar fechado também...

- Por quê?

- Porque o brasileiro foi na onda do português...

Era inútil entender tal ideia.

- E amanhã?

-Amanhã eles vão embora, como já estava combinado -  o  guardinha fala isso com  o orgulho da palavra empenhada e com a alegria de ferir o desejo alheio...

(A força dos fracos está em impedir o prazer dos fortes.rs)
Então era assim: o dia de ir embora era certeiro o combinado, mas não o de ficar. Injúria!

- Isso não tá certo, era hoje o último dia, vocês não tem o direito de impedir a visita...

- Senhora....

- Isso é um absuurrrrdo!!! – e eu, mal continha a minha fúria.

As nisseis começam, embaladas pelo meu poder de persuasão, a tentar protestar também. O empertigado endurece mais e fala mais coisas sem sentido, sem nenhum senso de lógica.

Vejo que não tem solução e revoltada, enfio o dedo na cara do guardinha e digo:

- É assim, não é, vocês fazem o que vocês querem? ...É isso...eu vou falar mal de vocês no meu blog...-  e sacudo veementemente o guarda-chuva nas mãos, tentando parecer ameaçadora.

Se fosse uma ditadura militar eu teria apanhado bem ali na hora e muito, mas meu namorado me puxou sutilmente pro lado antes que eu falasse algo que me faria ir pra cadeia ou responder a um processo...rs.  Ele me diz depois que provavelmente eles estavam rindo de mim, se f...pro que penso ou falo deles, de ressaca do jogo do Brasil no dia anterior e por isso não tinham aberto, porque não sobrou um guardinha DE PÉ pra tomar conta dos navios.E devia ser isso mesmo. E eu, não passava de uma mulher patética pra eles, querendo à força, visitar dois navios idiotas que eles estavam cansados de ver todo dia...rs

Mas, não são inocentes.

Arbitrários, eles fechavam portões, passagens, e soltavam fogos conforme lhes convinha... foi assim no show dos Paralamas, justamente quando eles cantavam em alto e bom som “QUE PAÍS É ESTE?” , uma saraivada de fogos foi levantada, pra abafar o som da banda...

E fui arrastada pra ver os navios, outra vez, de longe.

E fiquei ali, a ver e ver navios...

PS – Depois fiquei sabendo pela internet que foi considerado um programa de índio por algumas pessoas que estiveram lá. Um dos internautas, descendente de portugueses, chegou a dizer que “deu vontade até de trocar o sobrenome”...rs. Mas , isso , pra mim, não foi um consolo. Quanto aos ingressos da paraolimpíada, e meu sonho frustrado de ver aqueles superatletas do basquete, uma confusão total, golpes, cambistas e um site totalmente bagunçado, como todo mundo viu...fui!

sexta-feira, 27 de maio de 2016

O que sonhamos...


Estamos num ônibus de excursão. O motorista parece perdido, sobe e desce ruas sem saber aonde vai. Chamo B. , que está dormindo em sua cadeira e o convido a descer comigo. Ele me olha desconfiado mas,  desce assim mesmo, aborrecido. Todos ali parecem ser nossos amigos e ficaram dias viajando conosco, mesmo assim , saímos sem nos despedir de ninguém. De repente, eu percebo que não sei onde estou, o ponto do ônibus que deveria nos levar pra casa não está lá. B. me olha furioso. Peço pra ele esperar enquanto entro num bar onde todos os garçons servem vestidos apenas de cuecas brancas. Um deles me diz onde fica o ponto. Saio confiante, mas B. fugiu. Ele reaparece num parque que fica incrivelmente inclinado no fim da rua, mas não é mais adulto. Ele deve ter agora uns 10 anos de idade e veste uma bermuda azul que caberia num adulto. Eu grito pra que ele me espere, mas ele some no meio das árvores. Eu vou até o parque, mas descubro que as pontes se movem quando andamos sobre elas e os caminhos desaparecem aqui e ali. Eu tento me equilibrar numa ponte  e chego  no que parece ser o final do parque. Encontro uma rua com uma vila de casas muito antigas , desbotadas e maltratadas. Todas elas tem torres e uma delas, a do meio da vila, tem um relógio de sol dentro da torre. Uma criança passa e grita pra sua mãe: 


- Olha!!! Eu queria morar naquela casa!

Eu rio e digo pra ela: 

- Toda criança devia morar numa casa com um relógio de sol.

A mãe me olha furiosa e diz: 

- Se você falar isso de novo na frente dela, eu te mato!!

E sai arrastando a criança pelas mãos...
(...)
Isso poderia ser o roteiro de um filme surreal, mas é apenas parte do sonho que tive esta noite...

Sonhos são coisas estranhas. O senso comum diz que eles organizam a nossa vida, mas a maior parte deles parece nos jogar na cara, o quanto nossa vida é limitada. Meu pai me diz que tomadores de  soníferos nunca sonham, por isso ele não sonha. Em homenagem a ele escrevi uma vez um conto de um homem que nunca sonhava, mas acaba, sem querer,  entrando dentro do sonho da filha e vê o que ela sonha...

(Eu poderia mesmo doar um pouco dos meus sonhos, porque são muitos...)

Uma coisa comum nos meus sonhos é ver os adultos virarem crianças, crianças virarem velhos e assim por diante, ninguém garante a idade que tem neles. Também pessoas que já morreram aparecem ligadas a outras que nunca se conheceram em vida. Acho que Freud chamava a isso de deslocamento ou condensação, não estou bem lembrada...rs

Minha filha, por exemplo, nunca aparece com a idade que tem neles, ela é sempre criança, nem por isso, seu fardo é menos pesado, digamos assim.  Tanto que num sonho que tive com ela, um dos mais emblemáticos, ela era obrigada a carregar uma mala muito, muito, muito pesada, só que ela era criança, mas não era criança....enfim , essa confusão. Contado desse jeito e sem detalhes não parece nada, mas foi um sonho muito perturbador.

Outra coisa recorrente nos meus sonhos são o que chamo de “Sonhos de Alice”, onde alguém é muito grande ou muito pequeno para caber ou passar por algum lugar. Tive um desses recentemente,   onde uma  antiga colega de trabalho me torturava dentro de um lugar que parecia ser uma Kombi gigante, mas onde eu deveria andar me rastejando por dentro de uns tubos de PVC em que eu mal cabia, não antes de encontrar um dado par de sapatos que eu perdera....socorro!Esse,  acho, que foi da categoria pesadelos, com certeza!


Meus pesadelos envolvem também animais selvagens (parece que é algo muito comum), que são como lobos gigantes (de qualquer maneira animais que eu nunca vi) e cobras, muitas cobras rastejantes, geralmente negras....num deles, elas apareciam num fundo de uma  piscina ENORME, no meio de uma festa...

Também envolvem cidades detonadas (e olha que eu nunca participei de uma guerra...rs) mas parece que isso veio de outra vida ou sei lá o quê. Só pode...rs. A sensação de estar em lugares destruídos, bombardeados, esquecidos pelo tempo, escombros, construções,  aparece sempre.

Também música é algo presente nos meus sonhos. Eu não sei por que nunca me lembro delas quando acordo,  o que só aconteceu uma vez com uma abertura de voz muito delicada, que ficou na minha cabeça até hoje. Acho que é porque não estudei música, se tivesse estudado, tenho certeza que ia compor a partir desses sonhos, como Mc.Cartney fez com Yesterday que apareceu pra ele num sonho, toda , inteira. Ele achou tão f...que acordou desconfiado pensando que a música já existisse, mas não. Era dele, ou melhor, do sonho inteiro dele.



Incrível, não? (Se eu tivesse juízo, tratava de ir estudar um pouco de música...rs.)

Festas com convidados que nunca estariam juntos no tempo ou no espaço (a tal da condensação) ; primas conversando felizes; mar IMENSO; paredes se desfazendo, virando pó; a praia de Icaraí como uma escarpa alta como a costa da Sardenha, o mar azul, incrivelmente azul e  uma espécie de carro de polícia preto e grande, tudo isso ao som de um rock alucinado, mas de repente o carro de polícia não está mais lá , mas  equilibrado  exatamente em cima da Pedra do Índio..... Quantos sonhos pra lá de doidos!!!...rs

Mas, legal mesmo é o sonho de voar. Num, relativamente recente , eu e meu namorado estávamos voando. Não exatamente voando e pra variar, o cenário era horroroso: uma zona rural devastada, empoçada e enlameada. Mas, nós estávamos lá numa espécie de céu meio cinza (como o de São Paulo...rs), com asas  também meio cinzas, a dele era maior do que a minha. A julgar pelo voo mesquinho dos dois (devíamos ser anjos recentes ou algo do tipo), pois eu, principalmente, não fazia a menor ideia de como voar mais alto do que fazíamos, mas ele batia as asas com força e por fim, atingia uma altura considerável, enquanto eu ficava embaixo...

Chagall , meu pintor de sonhos

Nem todo sonho de voar envolve asas. Num outro, eu levitei numa altura de mais ou menos uns cinco metros, vestida de amarelo com uma roupa ridícula de evangélica, saia combinando com a blusa...rs. Fazia isso suando frio pra escapar de alguma coisa que eu não lembro...

Esses sonhos envolvendo voos são , de qualquer forma,  os meus preferidos.

Agora, chega de loucuras....rs...

Coisa de feriado!

E vocês aí, sonham?




quinta-feira, 12 de maio de 2016

SE ESSA RUA FOSSE MINHA...

“Sempre tive um caso de amor com as ruas...”
Crônica de um louco amor, Charles Bukowski

Imagine um mundo sem ruas, onde todos vivam em condomínios isolados?

Minha filha me fala de um apartamento sensacional que a amiga comprou no recreio. Tem sauna, piscina, playground, sala de yoga, hamburgueria, correios, etc etc etc.

Logo pra mim, essa menininha de rua que vos fala criada em casa de vila. A rua era o nosso playground particular e as calçadas, onde as crianças corriam livremente sem problemas brincando no dia a dia e nas vilas próximas às casas da rua (as vilas eram os cantos  e becos magníficos e amados).

(Mas no meu bairro estão acabando com todas as vilas antigas pra construir prédios hediondos , iguais entre si. Niterói é a falange dos construtores  sem escrúpulos e dos ricos de mau gosto e sem tradição, sem dó , sem piedade, sem senso de história: para isso eles vão a Europa uma vez por ano bater fotos e se dão por satisfeitos enquanto enfeiam a própria cidade...

 Se deixarmos transformarão isso aqui numa Barra da Tijuca com direito à “Estátua da Liberdade” e pior: colocarão suas horrendas mansões impedindo o acesso às praias, como aliás,  já aconteceu em Camboinhas , sem que muita gente percebesse e o prefeito “felizinho” da época,  permitiu .

Mas, ainda não acabaram  as previsões horríveis: aquele início horroroso de Itacoatiara parecendo Miami, já é prenúncio de algo muito ruim. O fim estará próximo quando surgirem  quiosques vendendo taças de prosecco(como em Búzios) e louras platinadas da coluna social do início ao fim,os doidões do pampo sumirão e Itacoa virará a Babilônia que essas pessoas  almejam: ridícula, frívola, espetaculosa.  Como Itacoa é uma praia amada por meio mundo, espero que esse meio mundo impeça que isso aconteça...

Onde o homem chega , tudo se estraga.. Isso é um fato!)

Feita essa digressão infeliz, digo que foi num fundo de vila que criei um palco improvisado na garagem de meu pai(com direito  à cortina de abrir e fechar) pra fazer o conto de Natal de Charles Dickens (versão Disney) encenada pelos meus amigos de oito anos e dirigida por mim(de 11 anos, um “prodígio”! rs), cuja plateia  foi formada por nossos pais, que se impressionaram vivamente(uns bobos!) com nossa criatividade infantil tão natural quão tão pouco explorada por eles...uma pena!

(Eram tempos duros. Nos colégios cantávamos o hino da bandeira, decorávamos tabuada e verbos irregulares em inglês e português , enquanto os adultos não tinham a mínima ideia do que se passava nas nossas cabeças..)

Seja como for, na rua é que conhecíamos as loucas (no meu caso, a vizinha da frente); o padeiro bem humorado da esquina; o borracheiro  sempre sujo que nunca nos dava um sorriso; os árabes da casa rica da esquina e suas festas barulhentas; o filho brigão da casa de fundos; o que vivia pelado na casa da frente ; o babão que quando falava cuspia  muito em todos e fazia as crianças pequenas rirem...

A rua e suas impressões:  ela enriquecia aqueles que a vivenciavam.

É na rua que você tem a experiência das diferenças. Só quando se está na rua  é que você observa o outro. Mas se você mora num condomínio fechado pra rua e ali tem tudo o que precisa, você deixa de viver essa coisa essencial: o contato com os outros, de outras classes, com outras ideias, com outras posturas, outras dimensões de vida...é um mundo na bolha, literalmente!Você vai morar entre iguais (com  o mesmo nível social, as mesmas ideias, as mesmas escolas, o mesmo trânsito, o mesmo restaurante, blá, blá,blá.)

A rua é o lugar do imprevisto. E  mesmo hoje, em que a minha infância já vai longe(e eu nem percebi...rs), ela ainda é o lugar onde você encontra todo tipo de gente e de experiência; onde explode uma bomba, onde uma árvore tomba atravessada; onde  alguém é atropelado ; pombos são alimentados por idosos; uma louca de cabelo azul passa gritando que vai matar alguém; o sapateiro é assaltado; o relojoeiro muda-se;uma procissão surge inesperada da igreja em frente; alguém grita vendendo sucata:  “geladeira velha, máquina velha”;e, num dia um poste cai e, de repente, todos aqueles moradores que jamais se falaram estarão todos lá de pijama à meia noite, convivendo e se reconhecendo  de outros momentos partilhados na mesma padaria, no mesmo supermercado,  no mesmo ponto de ônibus, no mesmo boteco belo, velho, sujo e português onde comeram um bolinho de bacalhau num dia em que choveu demais...


A rua, essa coisa tão antiga, da qual eu já tenho saudades.

quinta-feira, 3 de março de 2016

POR UM SACO DE BATATAS

Não é nem de longe o meu caso, mas moro num bairro onde pelo menos 60% das pessoas são supostamente classe A. Niterói, a cidade dos fortes, dos imaculados, dos poderosos. Estatísticas recentes mostram que ela é a segunda cidade em renda per capita mais alta do país. O lado de cá da ponte, onde se abriga a nata da elite foragida do Rio de Janeiro, que adora fingir que é interiorana e modesta, mas não sai de Paris e só toma cerveja importada. Pois é...

Deve ser por isso que só eu me assusto quando chego num supermercado e começo a olhar os preços dos hortifrutis. Olho à minha volta e todo mundo enchendo o carrinho.

- Será que só eu estou vendo o kilo da batata a seis reais?

- Pois, é – diz meu namorado – há um tempo atrás o tomate estava por oito e todo mundo fazendo escândalo, agora é a batata,  a BATATA por seis e todo mundo achando normal...

- A mandioca tá custando 5,00. Socorro!Mandioca é coisa de pobre, gente...

- E o pêssego por doze o kilo. Caraca!!!

Uma caixinha de vagens com 50 grs vale 4,90. Uma bandejinha de pimentas 9.00 e por aí vai...Ovo que era coisa de pobre, agora é alimento de rico e tem legume custando preço de carne. Quando chega no caixa...meu pai!!!

Outro dia sonhei que estava no Japão, onde as frutas são vendidas como joias e um melão custa cerca de  trinta dólares, com aquelas caixas de pêssego expostas como numa loja de joias e eu chorando como uma mendiga e contando moedas num cofre de porquinho com a boca cheia de água pensando nos pêssegos inacessíveis. Mas, o Japão é aqui mesmo!

Será que esse país tropicalíssimo vai acabar por importar bananas como joias de ouro?

Parece que sim. Em um mês eu vi essa inflação tomar um rumo que É MAIOR DO QUE A PREOCUPAÇÃO. Esse país tá fora de controle...

Fui no shopping outro dia (para ver um filme que acabei não vendo) e vi todo mundo comprando , passeando e sendo feliz. Um espanto!!

 Socorro!Eu já caí de “nobreza decadente” há muito tempo pra “novo pobre”. E me pergunto onde estarão os novos ricos daqui a um ano?

Formadores de opinião do país (jornalistas, se é que essa classe ainda existe, o que eu duvido, porque nunca mais vi nenhum que mereça o título, não passam de palpiteiros e pra isso não preciso deles porque palpite eu também tenho...) gostam de dizer que o povo brasileiro acordou, está mais consciente, não aceita mais corrupção etc. Sinceramente, eu só vejo que tá todo mundo mais bem informado, não necessariamente  isso mudou a atitude das pessoas.

No meu trabalho todo mundo sabe de tudo. Tudo. SÃO OS SUPERCONSCIENTES SEM ATITUDE.  Quando chega a hora de se posicionar e dar uma resposta à altura poucos colocam a cara à tapa.Todo mundo com medinho disso e daquilo ,incapazes de correrem riscos, ovelhinha Maria vai- que- vai com as outras. Acabam minando na raiz qualquer tentativa daqueles que querem uma mudança e prejudicando a si mesmos, mas o pior é prejudicar aos outros, como acontece na maioria das vezes.

Por isso que eu sou contra essas palhaçadas de passeatinhas e exibicionismos políticos com cara enfeitadinha em rede social. O que importa é a ATITUDE na CARNE, na pele! Jogar tomate em reis...

Revolução sem consequência não existe, mas as pessoas tem medo disso.

 Esse país não tem tradição revolucionária, nem nunca terá! AQUI QUEM FAZ REVOLUÇÃO É POLÍTICO, MILITAR OU ATÉ MESMO BANDIDO e até tem povo que fica aplaudindo.

E o ZÉ NINGUÉM, como diria Reich, continua pagando caro pelo seu saquinho de batatas...

quinta-feira, 18 de fevereiro de 2016

Ressaca de Carnaval


O carnaval é o tipo de evento que não tem escapatória: ou você ama ou você odeia. Eu amo. Pudera. Nasci numa rua que abrigava um bloco de carnaval famoso bem na esquina. Quando o carnaval se aproximava, tinha ensaio da bateria todo fim de semana e eu cresci com aquela batida no ouvido; os rostos felizes e suados; crianças;  confete e serpentina; minha mãe correndo pelas escadas comigo e meu irmão pelas mãos, pra ir ver o bloco saindo no pré-carnaval e toda essa festa. Para mim, tudo isso, era a personificação da felicidade mais completa. E, continuou...



Longe dos camarotes vips , dos bailes de elite, da competição acirrada das escolas de samba, da  bobajada toda, cresce sempre um carnaval que é , ou pretende ser de todo mundo: o bloco de rua.  


O bloco de rua é a essência do carnaval!!!








E é  em homenagem a ele que me despeço com tristeza de mais um carnaval, tentando não pensar (por enquanto) no que o futuro nos reserva...