Entrei de gaiato no navio
Oh!
Entrei, entrei
Entrei pelo cano...
Melô do Marinheiro, Paralamas
Estava
esses dias revendo fotos das Olimpíadas e, como ela já passou, vou contar essa
história, pra não esquecer:
Mas não
sonhei: tive pesadelos. Explico: desde o início meu único desejo nas olimpíadas
era visitar esses dois navios e ver o basquete na cadeira de rodas nas
paraolimpíadas. Não consegui nenhum dos dois. Com os navios, o problema eram as
filas; com a paraolimpíada, os ingressos.
No primeiro dia em que fui ao Boulevard, uma fila
monstra, um sol de lascar . Ali naquela hora, parecia muito ruim entrar numa
fila pra ver navios e abrir mão de ver todo o resto, que parecia mais tentador...Segundo
dia: outra fila monstra; terceiro dia, chego às quatro e meia de um dia em que
a marinha se dispôs a mostrar os navios até às cinco horas. E isso, correndo contra
o tempo, vinda do trabalho esbaforida, aquela coisa toda. Imagina a minha
decepção, quando ouço o guardinha fardado de azulzinho falando:
- O capitão
decidiu fechar a fila às duas e meia.
Enquanto
vários turistas ficavam reclamando entre si, eu ousei dizer pro homem fardadinho (porque
tenho o maledeto hábito de falar quando os outros calam...):
- Mas, me
desculpa, não era até às cinco?
- Era, mas
a fila estava muito grande e o capitão decidiu finalizar mais cedo...
-Por quê?
- Porque tinha muita gente.
- Meu
querido, vai ter sempre muita gente, é uma olimpíada...
Ele
desconversou, gaguejou um pouco, virou pro outro lado tentando responder a uma
turista pra fugir ao meu questionamento.
Aquilo não
era justo. Chego ao meu trabalho no outro dia e descubro que uma amiga ficou
duas horas na fila, debaixo do sol. O outro, tomou um fora como eu, em um dia
em que o capitão resolveu finalizar a fila ao meio dia!!! Mas conseguiu ver num
dia em que era jogo do Brasil e a fila por milagre, desapareceu...é, não ia ser
fácil visitar aqueles belos navios...
Fui mais
duas vezes sem êxito, muita fila e capitão fechando antes do prazo combinado.
Não desisto
e volto numa quinta tentativa, no último dia.Chuva. E eu fico toda animada quando vejo o Boulevard
meio vazio e acho que vou conseguir daquela vez. Do outro lado da baia os
navios me sorriem lindos, melancólicos, reis absolutos no meio da chuva do
domingo triste.Mas, lá estão os guardinhas, e as porteirinhas fechadas a acabar
com a minha alegria.
O mundo dos fardados. E, eu lembro que não é
tão fácil abrir portas quando um fardado as fecha...
Eu me
lembro do meu pai ferrado no regime militar, eu me lembro de tudo e não dá
outra...
Lá estão
duas nisseis, com cara de bobas e o guardinha de azul balançando a cabeça pra
elas que o miram decepcionadas, de longe eu vejo a cena e já adivinho tudo. “Nunca
vou pisar no Cisne Branco, com que sonhei”, eu penso com um horror quase
infantil. Vou ter que matar esses guardinhas antes...
Chego mais
perto e o olhar duro do fardadinho empertigado, treinado, de ordem absoluta ,
de obediência cega, me atravessa como uma pedra bruta (sinto até um arrepio).
Pergunto (já sabendo a resposta):
- Onde está
a fila pra ver o navio português?
- O capitão
resolveu não abrir hoje.
Ah, o
capitão! Ele resolve tudo...e decide tudo. Que poder o desse capitão que
ninguém vê e ninguém sabe quem é!!!! Uma perfeita figura kafkiana! Lembro-me do
“Castelo “de Kafka, livro que me angustiou a ponto de não conseguir terminá-lo. E sinto
que ainda vou ter pesadelos com esses navios...
- Como
assim? Não era o ultimo dia de visitação hoje?
- Era. Mas,
ele resolveu não abrir...
- E por quê?
Gaguejos, pigarros, a ânsia da hipocrisia habitual.
- Ontem
teve muita gente e...
- Mas não
era até hoje?
- Era, mas...
Novos
gaguejos .
- E o navio
brasileiro, o Cisne Branco, eu não posso visitar?
- O
brasileiro vai ficar fechado também...
- Por quê?
- Porque o brasileiro foi na onda do português...
Era inútil
entender tal ideia.
- E amanhã?
-Amanhã eles vão embora, como já estava combinado - o guardinha fala isso com o orgulho da palavra empenhada e com a alegria de ferir o desejo alheio...
(A força
dos fracos está em impedir o prazer dos fortes.rs)
Então era
assim: o dia de ir embora era certeiro o combinado, mas não o de ficar. Injúria!
- Isso não tá
certo, era hoje o último dia, vocês não tem o direito de impedir a visita...
-
Senhora....
- Isso é um
absuurrrrdo!!! – e eu, mal continha a minha fúria.
As nisseis começam,
embaladas pelo meu poder de persuasão, a tentar protestar também. O empertigado
endurece mais e fala mais coisas sem sentido, sem nenhum senso de lógica.
Vejo que não
tem solução e revoltada, enfio o dedo na cara do guardinha e digo:
- É assim,
não é, vocês fazem o que vocês querem? ...É isso...eu vou falar mal de vocês no
meu blog...- e sacudo veementemente o
guarda-chuva nas mãos, tentando parecer ameaçadora.
Se fosse
uma ditadura militar eu teria apanhado bem ali na hora e muito, mas meu
namorado me puxou sutilmente pro lado antes que eu falasse algo que me faria ir
pra cadeia ou responder a um processo...rs. Ele me diz depois que provavelmente eles
estavam rindo de mim, se f...pro que penso ou falo deles, de ressaca do jogo do
Brasil no dia anterior e por isso não tinham aberto, porque não sobrou um
guardinha DE PÉ pra tomar conta dos navios.E devia ser isso mesmo. E eu, não
passava de uma mulher patética pra eles, querendo à força, visitar dois navios
idiotas que eles estavam cansados de ver todo dia...rs
Mas, não
são inocentes.
Arbitrários,
eles fechavam portões, passagens, e soltavam fogos conforme lhes convinha... foi
assim no show dos Paralamas, justamente quando eles cantavam em alto e bom som “QUE
PAÍS É ESTE?” , uma saraivada de fogos foi levantada, pra abafar o som da
banda...
E fui
arrastada pra ver os navios, outra vez, de longe.
E fiquei
ali, a ver e ver navios...