quinta-feira, 20 de novembro de 2014

DA SÉRIE FORA DA GAVETA: "As aventuras de Paulina"

Eu gosto de escrever pra crianças, mas nunca tentei publicar nada, porque minha filha e outros críticos cri-cris falam que a minha linguagem não é infantil. Bom, julgue quem puder ou souber, eu continuo escrevendo o que gosto... Esse é um TRECHO do meu mais recente texto "infantil"...

"- Paulina, sai dessa janela e para de fazer festa de comunista!
Pois é, essa é a minha mãe, ela sempre tá me chamando de comunista, uma coisa que nunca entendi direito. Perguntei pro meu pai que parece saber tudo, ou parecia pelo menos até eu perguntar isso pra ele, daí ele desconversou, fez um ar de vassoura virada do avesso, com os olhos pra cima como ele faz quando não quer responder uma pergunta e daí voltou ao livro que estava lendo, nem deu mais por mim. O meu pai é assim, se ele revira os olhos e vira pro lado pra fazer alguma coisa diferente eu já sei que ele não vai me responder mesmo. Pra minha mãe não adianta nem perguntar, porque ela não deve nem saber o que é comunista , porque ela tá sempre falando o que ela não entende.

Eu reparei nisso quando vi um filme com ela e a atriz, que ela gosta muito porque vive falando “ah, a Norma Souto é uma atriz magnífica”, então, ela viu a norma Souto dizer num filme, encostada numa parede, de peruca loura: “isso é muito complacente” e soltava uma baforada de cigarro.

Daí ela ficou uma semana encaixando essa palavra em tudo o que ela falava, veio uma vizinha pedir uns copos emprestados e quando a vizinha foi embora , a minha mãe se virou pra mim e o meu irmão e disse com ar de pessoa muito inteligente: "a Marlene é muito complacente, imagina vir aqui pedir copos emprestados. Que coisa”. Se a Judite gastava um pouco mais de sabão pra lavar a roupa, era porque “ela era muito complacente”; se o meu pai atrasava-se pro jantar, era “complacente demais”. Só faltava acender um cigarro e colocar uma peruca loura. Mas o meu pai não ia gostar, que “mulher que fuma é um problema” ele dizia sempre isso da prima Ernestina, quando ela vinha nos visitar a casa ficava muito “empestiada”, essa era outra palavra que minha mãe adorava. Empestiada podia ser tanto uma "fedentina" no recinto, quanto uma criança que era, uma peste, como eu.

Além de peste, comunista. Resolvi ir pro dicionário . Estava lá: “Comunista: doutrina ou sistema social que preconiza a comunidade de bens e a supressão da propriedade privada”. Danou-se, eu não sei o que é sistema social nem muito menos propriedade privada, eu só tenho onze anos.(...)"

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