Mademoiselle
L. era professora, das antigas. Tinha sido educada em colégio de freiras e
aquela coisa toda. Espantou-se num dia em que um aluno chegou à frente do
quadro e : “click” bateu uma foto no celular da sua aula escrita pacientemente
no quadro branco com pilot. Suspirou profundamente, suspiro tão profundo que,
outra aluna, dessas solícitas que, por incrível que pareça volta e meia ainda
existem por aí, ficou preocupada:
- Professora
, você está passando mal?
Mademoiselle
L. não respondeu, odiava que um aluno a interpelasse com perguntas pessoais,
então não tinha esse povo noção mesmo de limites, imagina fazer assim, uma
interrogação pessoal a um professor. Considerava-se uma tela em branco, onde
escreveria tão somente o discurso de sua sabedoria. Deu outro suspiro. Mais
profundo ainda.
Ninguém
respeitou.
Um minuto depois
recebeu como presente uma bolinha de
papel na cabeça, enquanto alunos no canto esquerdo da sala davam risadinhas
dela. Mademoiselle percebeu. Mas continuou, imperturbável. Era de uma elegância
fenomenal. Um aluno indecente perguntou se podia ir “mijar”. Mademoiselle
corou. Levantou os olhos pro céu em grande sinal de súplica, lembrando uma pintura dos "Martírios de São Sebastião".
O aluno
insolente repetiu: “Posso professora , ir mijar?”. Mademoiselle, perturbada, já
com todos rindo, respondeu como uma esfinge impenetrável:
- Vocë tem
licença para ir ao banheiro.
O moleque
riu feito um demônio cínico. E a turma o acompanhou. O coração de Mademoiselle
ficou pequeno. Teve pena daquelas pessoas, mas sentia que sua pena era inútil.
Elas sequer entendiam que a ofendiam. Apenas se divertiam com suas caras, com
suas reações , enfim, era uma resposta padrão a um evento algo cômico para
eles.
Coitados.
Um celular
no fundo da sala tocou uma batida de funk, a menina que era dona do celular
atendeu com um linguajar vulgar em voz tão alta, que parecia estar numa
feira-livre a vender legumes. Mademoiselle a olhou com aquele que considerava o
seu olhar mais intimidador. Não funcionou. A garota levantou-se dizendo:
- É a minha
mãe , professora. E saiu da sala, como se isso fosse uma explicação
justificável.
Mas ainda se
ouvia a sua voz gritando lá de dentro, onde Mademoiselle procurava se
concentrar:
- Não, eu
não vou fulana , a minha mãe não quer que eu vá pro shopping..
Quando a
garota impertinente voltou, Mademoiselle apenas disse, e no fundinho da voz ,
notava-se uma ironia:
- Diga à
sua mãe, que nunca mais ligue no horário das aulas.
- E se ela
estiver morrendo?
- Terá sido
uma fatalidade, encare desta maneira.
- O que é
fatalidade, professora?
- Nesse
caso , fatalidade é algo que acontece ou vai acontecer enquanto você estiver no
shopping.. Não se preocupe. Ela, digo, a sua mãe não vai ficar triste, vai estar
morta.
Todo mundo
riu.
A menina
fechou a cara.
Mademoiselle
foi processada...