quinta-feira, 22 de outubro de 2020

O soufflé: uma metáfora da mitologia francesa

Emily em Paris 

Os franceses andam chateadinhos com uma série da Netflix chamada: Emily em Paris. Pudera, a série é americana, ligeirinha, pouco reflexiva, divertidíssima, fácil de ver – e, claro, bobinha, como todas as maravilhosas séries americanas que amamos tanto e que são responsáveis pelo nosso bem estar quando o mundo se torna um lugar muito duro.Tudo o que os franceses odeiam.

Lily Collins em  Emily em Paris


Para  alguma coisa ter o selo francês (que todo mundo sabe: selo de elegância) essa coisa, seja lá o que for,  tem que ser difícil, devastadora, revolucionária, dolorosa, tem que atingir a perfeição. E burocrática. Dizem as más línguas brasileiras que lá moram que o país consegue ser pior do que o Brasil nesta questão. Eu nem consigo imaginar como seria isso...

Eu amo a França. Tanto que estudei a língua, me dediquei aos poetas franceses(Baudelaire, Rimbaud) de coração puro e cheio, sou fã ardorosa de Voltaire, Rousseau , Diderot, e não consigo imaginar a literatura sem Gustave Flaubert nem o cinema sem François Truffaut. “Os incompreendidos” vai ser sempre um dos meus filmes preferidos. Porém, comecei a desconfiar do nariz empinado francês  quando aprendi a fazer soufflé.

É isso mesmo! O soufflé, como se sabe,  tem uma história de tradição na França. Segundo os franceses, só um francês , que desde pequenino aprendeu a fazer com  sua avó, sua mãe, sua tia, sua vizinha, blá,blá,blá consegue fazer um  decente. O resto é penar numa escola de alta culinária, como a Le Cordon Bleu e gastar todas as suas economias de anos para aprender a fazer AQUELE que seja digno do nome.

Pode parecer para alguns que eu estou exagerando. Mas, não. E o filme Sabrina de 1954 com Audrey Hepburn mostra a nossa bela americaninha sofrendo na Le Cordon Bleu para fazer um: que acaba como um bolo solado. Criou-se até uma superstição em torno do soufflé. Não se consegue fazer crescer quando se está apaixonado. Balela pura.


Audrey Hepburn em Sabrina , 1954

O soufflé tem alguns segredos , é verdade. Precisa de prática(como tudo na culinária). E, devo confessar, que até aprendi o meu com uma francesa autêntica. Na internet! Mas não é pior do que fazer um quindim ou uma baba de moça , pode acreditar. E imagina o que seja fazer um acarajé, mas nunca vi uma baiana estufando o peito por ter feito um...

O soufflé é até bem fácil e divertido depois de pegar o jeito. É um prato para crianças fazerem...

A mitologia do soufflé

Os franceses são experts em mitologias. Inventaram que só é champagne se vier da tal região de mesmo nome , só é alta costura  se for feita lá, só é Madeleine se for feita num bistrô de Paris, um crepe brasileiro é uma imitação , um vinho californiano, não se compara. Haja paciência!

Tudo MENTIRA! Deslavada.

Prove um vinho francês mediano e tenha certeza de que os chilenos são melhores! E mais baratos...rs. A África do Sul, a Itália, Portugal também faz vinho melhor e mais barato do que a França. Para você comprar um vinho francês tão bom quando um vinho mediano chileno vai ter que desembolsar horrores. Sim, o nariz empinado. Enquanto eles dormiam  com as glórias passadas, os outros passaram à frente....

A guilhotina de novo

E continuam as mitologias.

Veja este ensaboado presidente francês que se nos apresenta. Sua única virtude é não gostar de Bolsonaro. Os portugueses tiram sarro dele em seus jornais dia e noite e não é pra menos...

Incapaz de ver o que se  passa diante do seu nariz e de resolver os seus problemas, que não são poucos,  agora vê um professor decapitado e vem falar em “inimigos da república”.

Ora, ora...precisou rolar uma cabeça de forma selvagem(quem achou que pudesse ver isto no mundo de hoje?!?!) para ele enxergar que a França não é perfeita. Não é o território da democracia, da liberdade de expressão nem de merda nenhuma, conforme eles acreditavam – muito longe disto. Parece mais um vespeiro pronto a explodir como o próprio EUA.   Que precisa mudar. Que já passou da hora.

Como dizem os portugueses: “De passeata, eles são bons...mas...”

E a democracia, essa, se alguém encontrar por aí, me avise...

quarta-feira, 14 de outubro de 2020

 Sopro da infinitude fazendo barreiras nas gotas do navio do tempo:

longe,  a mão de um carrasco cospe trevas

em uma cidade de nomes intermináveis.

A vida louca do mar esparrama sustos na neve.

quarta-feira, 16 de setembro de 2020

 

Lampejos tortos de dor clareiam a vida,

que – frisada – desce, em direção

ao oriente

para encontrar

as estrelas.

sábado, 11 de julho de 2020

10 escritores que valem a pena


1.       1. Jorge Luis Borges

Li pouco dele. Mas o pouco que li, me deixou tonta como se eu tivesse descoberto uma espécie de tesouro pirata. Contos meio inescrutáveis são uma mistura da sua enorme erudição, que ele negava – ele mesmo disse em entrevista que leu muito pouco na vida  e tinha os livros e uma biblioteca enorme apenas pra se cercar deles,  já que era limitado pela sua cegueira que foi acometida por volta dos 50 anos-  com uma imaginação sem limites. 
Não são pra qualquer leitor. Só para os que amam muito a literatura e a ideia da literatura. Muitos deles não contam histórias precisas, daquelas que se esperam ser contadas - mas, são desdobramentos literários de uma mente que mistura ficção, realidade e um amor aos livros. O resultado é inimaginável! Nunca vi em nenhum escritor e acho que nunca veremos de novo. Borges é ÚNICO.

2.      2.  Gabriel García Márquez

Matei muita aula pra ler “Cem anos de solidão”, o primeiro livro que li deste incrível escritor e seu maior clássico. Quem nunca leu esse livro, devia sair correndo e comprar agora. A história da família Buendia é imperdível. É um verdadeiro contador de histórias, uma se segue a outra, em série, como se estivéssemos navegando numa aventura sem fim. Há uma pitada de mágica, de beleza  em tudo o que ele escreve.


3.       3. Julio Cortázar

Esse aqui me fez amar os contos  e até hoje  é meu gênero preferido. Cortázar admitiu várias vezes que escrevia contos,  influenciado pelos seus sonhos.  E é por isso que sua pegada surrealista pode ser vista em muitos deles.  E trazem aquele quê de Insondável...
 É um escritor que sempre volto pra reler alguma coisa, que sinto saudades, e volta e meia está na minha cabeceira. Intrigante, lindo e misterioso.

4.       4. Clarice Lispector

Sei que é um clichê gostar de Clarice, mas não tem como...rs. Das mulheres ela é minha número um (mas tem, claro,  Jane Austen, Virgínia Wolf, Katheryn Mansfield, Karen B.,Alice Munro etc  etc etc). Alguém já disse e não lembro quem, que ler Clarice é como “conhecer uma pessoa”. E é exatamente isso.

É uma aventura. Clarice, para mim é o verdadeiro arquétipo do escritor porque  ela escreve tateando, buscando alguma coisa , que nem ela sabe  - parece – e o leitor , percebe isso . Vai ficando com raiva, com medo , incomodado, entediado até - até que  de, repente, ela encontra , e daí, ela consegue te mostrar  e você consegue enxergar além das palavras.

5.       5. Charles Bukowski

Yes. O “velho safado”, o maldito, o alcóolatra, o destemperado. Não existia jovem rebelde que não lesse Bukowski  quando eu era adolescente. A gente se deliciava com as maluquices de Chinasky, o alter ego de Bukowski. Ele não só é um escritor maldito, e ignorado pela academia (e por isso , melhor ainda...rs) como é também um poeta incrível. Sua linguagem crua, sem peias, suas prostitutas, seus bares, seu whiskie  derramado, sua bebedeira, seus modos toscos – tudo – é uma desculpa pra um lirismo que surge nos lugares mais inesperados...

6.       6. Philip Roth

Esse aqui no futuro, se eu não estiver enganada, será execrado. Talvez se rasguem os seus  livros em praça pública. Philip Roth é um animal em extinção.  Pela literatura que se faz agora e pelo caminho que estamos indo, acredito que ele seja um dos últimos moicanos da literatura maldita , desassombrada.

Li  quase nada  dele, mas  já se tornou um dos meus queridos. E quero ler tudo dele. Faz uma literatura sem peias, sem poupar ninguém, sem amarras,  estilo anárquico, caótico, errático, com uma galeria de personagens que vai jogando  na sua cara aos poucos, com muito dele mesmo, muito do mundo americano, daquela  coisa de Nova York, dos imigrantes, dos judeus, do estranho, do mundo gauche, da marginalidade,  com uma pitada de melancolia  e muito de humor. Você simplesmente desanda a rir lendo os livros. E se vê dizendo ,  muitas vezes: “Mama mia, que cara loucoooo!” ...rs. Crazy, crazy.

É um pouco chocante e acredito que  da geração milennium em diante  ninguém consiga lê-lo sem nojo. Com seus modos e linguagem padronizados e previsíveis  e comportamento moralista e acusador, dificilmente captariam o espírito desse escritor totalmente amoral,  que passa muito longe desse esboço tecnocrata  que vem reduzindo o mundo a esquemas corporativos regrados,  sem alma, e sem ternura...

(Agora, se você faz parte dessa geração e gosta de Bukowski, acho que talvez consiga suportar este aqui...). E, parabéns, você é um ser extraterrestre! rsrs

(Estou falando na maior sinceridade e quem avisa, amigo é!)

Não é pra qualquer leitor  , definitivamente, só indico àqueles que  põem a literatura acima dos nojinhos e considerações morais. Realmente quando se lê “O teatro de Sabath”, por exemplo(um livro que eu adoro!), vai dando um certo asco as loucuras do personagem, sua obsessão por sexo – e sexo vulgar – em alguns momentos, mas isso, não resume a essência do autor, nem de longe.

  Philiph Roth escreveu enlouquecidamente (tem  uma obra caudalosa    e  mesmo quando anunciou que ia parar de escrever, não    conseguiu).  Era um escritor  daqueles de vocação, que não existem    mais...

  O que veremos no futuro será outro tipo de literatura. Eu não sei    ainda  qual...

(Mas eu, sempre vou preferir as velharias....rs)

Até gostaria de conhecer um escritor novo  de que eu gostasse , mas ainda não aconteceu, infelizmente. Quando eu gosto de alguém que não conheço, então vou conferir e o cara já dobrou os 40, 50, até 80 anos, no mínimo, se já não morreu...rs.

O engraçado é que os escritores do século XX, por exemplo, já eram bons, mesmo na juventude...alguns escreveram seus melhores livros bem jovenzinhos, o que é um caso a se pensar...

Fica pra outra hora!

7. Nelson Rodrigues

O melhor dramaturgo brasileiro e, com certeza, o mais consistente. Nelson Rodrigues era tão bom como criador, quanto era como observador da sociedade real. Mal compreendido até hoje, é  outro que vive á margem da academia, e se você se der ao trabalho de ler ao que algum intelectual fala dele hoje(infelizmente eu fiz isso!), dá até raiva de tanta burrice tosca e de tanta  incompreensão, mas mesmo assim ele nunca pôde ser ignorado. Sua obra fala por si só. É um retrato da sociedade brasileira: machista, imoral , hipócrita. Sem falar na compreensão que ele tinha dos desejos humanos. Escrevia sem medo, de forma deslavada.  Uma característica só dos grandes, que não se importam com a opinião dos cretinos obtusos, que fazem uma literatura envergonhada.

7. 8.   Dezsó Kosztalányi

Ele é húngaro e só o conheci agora. Mas decidi incluí-lo na lista porque não queria  que essa lista ficasse aquela coisa chata , de só clássicos que todo mundo já conhece. Então  achei por bem colocar um desconhecido do leste europeu. Esse escritor é uma delícia. Seu único livro que li (O Tradutor Cleptomaníaco)  é tão engraçado ,  inteligente,  lúdico e imaginativo e em alguns momentos me lembrou o humor brasileiro transplantado pra outro ambiente. Daí acredito que os brasileiros possam se identificar. Eu fiquei maravilhada!

9. Thomas Mann

Thomas Mann é talvez, dos clássicos, o meu preferido. Gosto até mais do que de Tolstói, talvez, não sei. É páreo duro!

Meu livro preferido é “A Montanha Mágica” (infelizmente emprestei pra alguém que nunca me devolveu, motivo pelo qual não empresto mais livros!)

  10.  Charles Dickens

Esse aqui é um escritor que todo mundo tem que ler pelo menos uma vez na vida. Dickens faz as melhores descrições da literatura para mim, de forma que você é transportado pra uma Londres sombria, invernal e vê TUDO na sua cara, como se estivesse diante de um filme. É incrível! Seus personagens são tão bem construídos , a partir da descrição do próprio ambiente, que você consegue enxergar aquelas vidas presas ali naquela dada situação e se apaixona por muitos deles e tem raiva e horror de outros, exatamente como se a literatura fosse a própria vida. É um mágico.

Gosto de ler Dickens quando o mundo real não me interessa mais e preciso de uma fuga, quando passo por muita coisa ruim. Fecho as janelas, abro um livro seu e adeus  mundo...rs.


·        *** Outra hora, se eu estiver com paciência, continuo essa lista. Quem sabe consigo fazer uma lista dos vivos!

quinta-feira, 23 de abril de 2020

Da série "Fora da Gaveta": As peles dos animais


AS PELES DOS ANIMAIS

Daniel,
um pássaro...

Olívia,
leite de tigre.

A matéria formosa de Rosa.

Essas dulcíssimas tempestades da chuva são os olhos de Francisco, serpentes.

A tarde eternizada,
as memórias de flores de Paulina, as muralhas, as borboletas...

Longe, longe, uma pérola rebrilhando no ar: Simone,
animal respirando.

A primeira vez que eu vi Teresa entendi que era melhor morrer do que viver sem ter sentido a condolência. Teresa, uma pele de brilho azul, galvânica, um pavão,  os deuses enlouquecidos davam bom dia, os reis se levantavam dos túmulos pra governarem mais uma vez, toda a estratosfera regredia a um nível de átomo primeiro, um veneno intenso marcava a tarde suada da terra e o sol, recolhido,  cobria as catedrais daquele branco gótico e envelhecido por dias transparentes , imorais.

A terra secava. Os pés de Teresa. As catedrais vazias. As almas condolentes.

Não vou te dizer que eu te adore, Augusto, isso que eu sinto é só uma confusão que eu nunca soube dar nome, é espírito, matéria voraz de nada, alguma coisa que é outra coisa, algum juízo indefinido de moral duvidosa, angustiada, só quero te dizer, entre as telhas, os ventos, as folhas que caem dessa bananeira dessa casa estúpida e antiga que já te guardou, que já me guardou e que não guarda ninguém,  é que eu te amo, assim,por um momento, exatamente esse agora que você me olhou porque você não presta, porque você é um cafajeste sem sentimento e não essa pessoa assim cheia de tantas cores e tantos medos e tantos impulsos irracionais, esse que me estende a mão, todo tigre  , que me toca os joelhos por baixo da perna, esse, que se me avizinha no escuro, debaixo da luz, esse que molha a boca na língua e me vê na semi-escuridão , que me diz : “eu fiz pra você”.

Eu te guardo: Giorgio. Pombo.

Assim: desde que as ruas abriram esses caminhos felinos, que as pedras fizeram marcas nos tijolos, que as britadeiras quebraram os ferros do assoalho, que o cimento se apossou da terra, que os sabres depositaram cascalhos sobre a relva e a massa se apossou dos muros da noite e a fumaça fria  foi subindo pelos cantos das paredes,  eu fiz uma oração pra não esquecer o teu nome...
Esse, que eu não ouso dizer...

Eu não te envenenei, Nara- onça.

A hora passa atordoada, Carolina: abelha –roxa, caracol amarelo.

rápido PT urgente mistério a ser resolvido PT longa noite insone outra vez PT aguardo tua resposta, Aldo.

Há tantas cores nos girassóis, Vincent,
que os pássaros morreram incendiados...

Marcos,
Nem adianta disfarçar nem pirar, os leopardos fogem pra floresta, é certo que o sol vai brilhar amanhã, let’s play again, let’s do that, so twists again, like you did last year, do you remenber....

Round and round and round again,
So baby you let me soul and than…

Não gostei do tom, Giovana raposa,  olha que eu sou muito paciente, mas isso já foi demais...

Eu sempre vou te amar, Clarice, você, a chuva e esse silêncio de um som de pomba pequenino batendo na janela até quando chega o anoitecer e o céu desce violeta e cinza às vezes, por que não?

Leda, um cisne
                passando...

Henri: cachorro, ele não prestava. Claro, com um nome  desse. ...

Tomás é para sempre o nome de um sonho alado que tive em algum lugar que não me lembro mais se estava nele ou se lembrei de uma vida que tive ou terei...

Fernanda, o meu eterno girassol dourado.

Lorenzo,
        uma nuvem...



PS - EXPLICAÇÃO AOS MEUS AMIGOS: Talvez alguns nomes aqui deixem alguns pensando que todos esses existem, já que conheço Teresas, Augustos, Clarices etc. Não. Obviamente alguns nomes aqui são eles mesmos: Daniel é o Dan , Fernanda é Fernanda, Marcos é o meu primo mesmo, Augusto (não é o da banda,por favor! rs Foi apenas um nome que me veio há muito tempo quando escrevi esse poema, pensei em trocar, mas um poema é sempre como foi concebido!), Paulina e Francisco, sim são os meus avós maternos; ; Carolina (de novo, é apenas a da janela, a do Chico Buarque); Teresa  foi inspirada num poema de Murilo Mendes, é uma intertextualidade;Giorgio, foi meu amor de infância, que não se chamava Giorgio...rs; Vincent (é o Van Gogh mesmo!); Clarice (é a Lispector) a escritora ;Tomás é um personagem que me obceca e que sempre reaparece quando escrevo algum conto(ele tenta ficar por ali...rs) mas, faz parte de um conto que JAMAIS consigo terminar;  Aldo foi um amiguinho de infância que morreu muito novo, meramente metafórico e os outros também são só metáforas construídas(aliás, TODOS ELES e essa explicação é totalmente inútil, mas que jeito!...rs) ; e Lorenzo, que eu penso que representa o meu futuro , se eu tiver algum...