terça-feira, 13 de dezembro de 2016

Do lambe-lambe ao hiperego: a evolução da foto

Todo mundo quer ter seu momento lady/gentleman agora que cada pessoa pode ter seu espaço pra ser observado no instagram . Minha filha me conta de uma amiga que nem é modelo nem nada, mas mal chega na praia começa a sessão de tortura: fotos olhando o pôr do sol, fotos só do ombro  mostrando a tatuagem ,  fotos dos pés na areia etc.  As fotos são lindas (porque, no caso trata-se de uma pessoa de bom gosto), mas carregam aquela carga da artificialidade e da breguice. Não faz muito sentido posar de modelo, se você não é um e só a vaidade explica uma coisa tão esquisita assim...Como vivemos num mundo em que ser vaidoso é digno de aplauso, todo mundo acha normal. E vai chegar o dia em que vão pulular por aí modelos em potencial, talvez até acabe ou se transforme a profissão, a partir dessas pessoas dispostas a posar o tempo todo.
No tempo de nossos avós, iam eles ao lambe-lambe vestidos no maior estilo: geralmente terno e gravata os homens; as mulheres, com chapéus, sombrinhas e todos os aparatos que formavam uma dama da sociedade. A foto era o momento de contemplar a eternidade. O que sempre fazia com que aqueles rostos parecessem o juízo final que veio prestar as contas do além às gerações renegadas deste mundo, que lhes manchavam as virtudes da sobriedade. Ninguém sorria.

Boulevard du Temple, um dos primeiros registros da fotografia

Quando criança me lembro  de ter sempre me sentido humilhada com semblantes tão graves de meus bisavós, tataravós e assim sucessivamente na escala evolutiva ao contrário....

Arquivo pessoal
As fotos de meus avós na infância, já me faziam sentir um pouco diferente. Lembro-me particularmente de uma foto de família da minha avó paterna, com seus pais, irmãos, tios etc., na frente da fazenda que morava em Minas.  Ela exibia um laço na cabeça que a fazia parecer pronta para um voo, mas os olhos expressavam um temor e uma insegurança, ela parecia um peixe fora d’água, daquele tipo que parece se indagar: “O que estou fazendo nessa família?” É incrível a capacidade que a foto tem de revelar a personalidade oculta das pessoas...
De Vivien Maier
Mais simpática ainda era uma foto que ficava na parede da casa de meus avós maternos em lugar de destaque e expressava uma dinâmica familiar, que as famílias de hoje, sentiriam inveja. Era perfeita! Exibia a família hierarquicamente , todos, todos posando ao lado de suas respectivas bicicletas, em pé ao lado delas. Meu tio mais novo, sempre um gozador,  chamava esta foto de “a família motorizada”. 
Quando minha filha era pequena  e até um pouco depois,  as fotos ainda envelheciam sem efeitos especiais. As câmeras eram manuais e as fotos eram muito espontâneas. Eram viagens, coisas incomuns, momentos especiais, ou um momento de amor, mas tudo muito meio louco, meio improvisado, meio ao sabor do momento. Eu gosto dessa fase da fotografia, na verdade é a minha fase preferida porque  a tecnologia já era mais presente ,mas o efeito surpresa/naturalidade era o ponto  forte  e , de fato, minhas fotos preferidas de família vieram dessa época...

Ninguém precisa mais disso hoje em dia. Primeiro porque  qualquer um é fotógrafo de qualquer coisa em qualquer lugar em qualquer evento a qualquer momento. Posar pra uma foto não tem nada mais de sublime, ou de espontâneo é um bate, apaga, bate de novo, um troca-troca de olhares e posições, até que se atinja o olhar desejado...quando o fotografado finalmente diz a si mesmo: “agora foi, agora tô bem na foto”rsrs
 A foto espontânea, imperfeita, divertida, improvisada, feita no sabor do momento e da alegria, sem que ninguém confira na hora como saiu, é cada vez mais rara, quase como um retorno ao passado...
Foto de Vivien Maier , minha fotógrafa preferida

Mas, o pior da fotografia hoje, é sem dúvida a obrigação da foto. Ontem numa pizzaria lá estavam três jovens bonitas que não pareciam precisar chamar a atenção de ninguém, no entanto...
Elas bebiam vinho e fotografavam umas às outras em pé chamando atenção de todo o bar, seguidamente. Ficaram nisso, por uns bons vinte minutos ou mais(eu cheguei a ficar constrangida por elas, sentimento inútil , devo dizer, já que elas não se importavam ) e pra falar a verdade não sei se alguém estava achando esquisito a não ser eu. Acho que estou ficando “fora da caixinha”como diz minha filha.
Arquivo pessoal

 Elas batiam fotos que me pareciam as mesmas, mas lógico que com tantos celulares, as fotos tinham que ser repetidas, porque cada uma precisava do seu próprio registro. Não havia qualquer epifania naquelas fotos, qualquer motivação meiga ou superior, qualquer “barato”, não havia naturalidade, antes era só um ato impensado, automático mesmo do tipo: Se vou a um lugar, tenho que bater um a foto, uma não,  várias , meus amigos também baterão as mesmas fotos  sem originalidade  de seus celulares e postarão em seus facebooks imediatamente em tempo real, outros comentarão , sem que isso seja cansativo ou irritante pra qualquer um deles,o que , na minha opinião é realmente uma coisa incrível que nunca conseguirei entender,  mas...
Quem quer ver tanta foto igual, de todos, absolutamente todos os lugares a que você vai?  
É o hiper ego em ação.Sinal dos tempos narcísicos que vivemos...

Arquivo pessoal