sábado, 5 de dezembro de 2015

Adiamentos

Depois de amanhã, sim , só depois de amanhã...
levarei amanhã a pensar em depois de amanhã, 
E assim será possível, mas hoje não...
Não, hoje nada; hoje não posso. 
("Adiamento" Fernando Pessoa/A. de C)


       É curioso como o tempo passa rápido. Todo início de ano dá uma impressão de esperança, de renovação, de que tudo vai dar certo. Mas, a certeza do fracasso não vem só dos problemas que enfrentamos,  das situações difíceis, as guerras do mundo, a economia, a corrupção, a merda de país que vivemos, porque quem está vivo, já sabe...

       O tempo nos joga na cara, mais do que tudo, aquilo o que deixamos de fazer, o eterno adiar das coisas...

    De repente é dezembro e você percebe que esse ano deveria ser o da sua sorte. A cartomante, o horóscopo, a numerologia, os búzios e até o padre tinha dito. De repente é dezembro e lá está a gaveta do criado-mudo rindo da sua cara, quando você abre e descobre papéis de 3 anos atrás, correspondências que você deveria ter enviado com aquelas cópias importantes, emails que não foram lidos e aquele texto que ficou pela metade,uma caneta adorada no fundo de um armário, você procurou por ela dois meses... uma roupa que você comprou e não vestiu, pois é, você acabou não indo àquela festa. Não encontrou aquela pessoa, agora a roupa parece feia, a pessoa já partiu, já desistiu de ser seu amigo/a, não tem mais fé em você, pois é, nem você tem fé em você, isso é que é mais triste. Aquele relógio que seu avô te deu está quebrado, (de repente, você percebe, há 5 anos), começa a fazer as contas (não pode ser...não pode, não pode, não pode  e descobre que sim,que pode) passaram-se sim 6, 7 anos e o relógio ficou lá, parado como o seu tempo, que não aconteceu. Fulano teve filhos, casou, divorciou, casou de novo; siclana virou prostituta, arrumou um milionário, foi morar na Baviera; beltrano assaltou um banco, contratou uma advogada sensacional, casou com ela e escapou da cadeia e você, pobre diabo, ficou aí com seus livros velhos pegando poeira, com a sua gaveta nunca arrumada, com o seu teto caindo, aquela porta emperrada que você tem ódio, mas nunca arruma por preguiça, porque você tem mais o que fazer e quando vê, você fez milhões de coisas que não queria ter feito: deixou de fazer X porque tinha antes que fazer Y, depois teve que fazer Z porque , porque, porque, porque, porque e já não lembra...pode ser que teve que visitar aquela tia que ficou doente; que teve que  andar meses tentando resolver aquele processo inacabado, que passou horas no engarrafamento, então não fez aquele curso que deveria ter feito e sim, e teve que mentir e teve que driblar as coisas e teve que engolir sapo, porque o tempo passou , ele não perdoa.

       A gaveta vai continuar rindo de você...



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